Os Pobres

Fiction & Literature, Classics
Cover of the book Os Pobres by Raul Brandão, Projecto Adamastor
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Author: Raul Brandão ISBN: 9789898698414
Publisher: Projecto Adamastor Publication: October 27, 2016
Imprint: Projecto Adamastor - Clássicos Language: English
Author: Raul Brandão
ISBN: 9789898698414
Publisher: Projecto Adamastor
Publication: October 27, 2016
Imprint: Projecto Adamastor - Clássicos
Language: English

Para se criar é preciso sofrer-se. Hoje e sempre só a dor é que deu vida às coisas inanimadas. Com um escopro e um tronco inerte faz-se uma obra admirável, se o escultor sofreu. Mais: com palavras, com sons perdidos, com imaterialidades, consegue-se este milagre: fazer rir, fazer sonhar, arrancar lágrimas a outras criaturas. Com as simples e secas letras do abecedário, um desgraçado com génio, metido numa água-furtada, edifica uma coisa eterna, uma construção mais sólida e mais bela, do que se fosse arrancar os materiais ao coração das montanhas.

O que é então a dor, milagre extraordinário, que consegue dar vida às fragas? o que é esse assombroso fluido, que se comunica, alma arrancada da própria alma e que se pode repartir como o pão? Nunca houve sob o sol criatura que sofresse da verdadeira dor cujo sofrimento não consolasse ou salvasse. Até as mais humildes, tal como árvores que ainda depois de mirradas, vão aquecer e alumiar os pobres.

A dor dá a vida e não é a própria vida: cria, redime, obra prodígios e nada há que se comunique, que convença, que torne os homens irmãos, como ela… Para onde vão pois todos esses gritos, unidos num só grito? Visto que nada se perde, que é que se sustenta no infinito com essa enxurrada de lágrimas? Deus?

Por muito tempo escutei o ruído de vozes, de exasperos, de gritos de criaturas. Vinham da guerra, do Hospital, da miséria humana.

E desse mar espezinhado nasciam clarões, as nebulosas donde surgem mundos. Esse eterno rio de gritos, a correr desde que o homem existe, vai desaguar no infinito.

É que a dor é a única força que verdadeiramente cria e destrói: é a Força. Alimenta Deus e o limo. É um atlântico de fogo, é o espírito do universo. Cria claridades na alma dos desgraçados e faz nascer montanhas.

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Para se criar é preciso sofrer-se. Hoje e sempre só a dor é que deu vida às coisas inanimadas. Com um escopro e um tronco inerte faz-se uma obra admirável, se o escultor sofreu. Mais: com palavras, com sons perdidos, com imaterialidades, consegue-se este milagre: fazer rir, fazer sonhar, arrancar lágrimas a outras criaturas. Com as simples e secas letras do abecedário, um desgraçado com génio, metido numa água-furtada, edifica uma coisa eterna, uma construção mais sólida e mais bela, do que se fosse arrancar os materiais ao coração das montanhas.

O que é então a dor, milagre extraordinário, que consegue dar vida às fragas? o que é esse assombroso fluido, que se comunica, alma arrancada da própria alma e que se pode repartir como o pão? Nunca houve sob o sol criatura que sofresse da verdadeira dor cujo sofrimento não consolasse ou salvasse. Até as mais humildes, tal como árvores que ainda depois de mirradas, vão aquecer e alumiar os pobres.

A dor dá a vida e não é a própria vida: cria, redime, obra prodígios e nada há que se comunique, que convença, que torne os homens irmãos, como ela… Para onde vão pois todos esses gritos, unidos num só grito? Visto que nada se perde, que é que se sustenta no infinito com essa enxurrada de lágrimas? Deus?

Por muito tempo escutei o ruído de vozes, de exasperos, de gritos de criaturas. Vinham da guerra, do Hospital, da miséria humana.

E desse mar espezinhado nasciam clarões, as nebulosas donde surgem mundos. Esse eterno rio de gritos, a correr desde que o homem existe, vai desaguar no infinito.

É que a dor é a única força que verdadeiramente cria e destrói: é a Força. Alimenta Deus e o limo. É um atlântico de fogo, é o espírito do universo. Cria claridades na alma dos desgraçados e faz nascer montanhas.

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