Ao cómoro do athleta, que cahiu fulminado pela morte, não deixarão d'ir, em piedosa romagem, com as flores da saudade, os que mais d'uma vez lhe viram lampejar as armas impollutas ao sol da gloria litteraria. É um dever e um desafogo esta visita ao tumulo d'uma realeza que se extinguiu para os homens do seu tempo, mas que deixou após si um rasto luminoso no qual ha de reviver atravez das idades futuras. E tanto maior dever é, e tanto maior desafogo se afigura, quanto é certo que a litteratura portugueza, que parecia preparada para longa vida depois da fecunda revolução do romantismo, está vendo rarear dia a dia as suas fileiras, já porque a morte lh'as dizima, e já porque a politica lhe vem roubar com mão sacrilega os mais denodados legionarios para lh'os amollentar na vida regalada dos encargos parlamentares e diplomaticos. Cada vez se vão multiplicando as perdas e as deserções, e todavia não se enxerga ainda no oriente o primeiro alvor d'uma aurora de redempção, que prometta trazer novos apostolos e novos soldados, novos elementos de vida, n'uma palavra, para o futuro das lettras patrias. Vejamos se é isto verdade ou se não passa d'uma asserção gratuita.{6} Percorramos, ainda que com o coração cheio de magua e os olhos marejados de lagrimas, os fastos da litteratura moderna. A cada passo, ao folhearmos tão triste necrologio, encontraremos uma pagina tarjada de lucto a recordar um talento que se apagou. Para logo se nos deparam os nomes illustres de Lopes de Mendonça, de Soares de Passos, de Coelho Lousada, de Faustino Xavier de Novaes, de José Freire de Serpa, de Arnaldo Gama, de Rebello da Silva, de Gomes Coelho, e de quantos outros que nos não lembram agora! As deserções são por igual numerosas, mas, visto que escrevemos no Porto, contemol-as apenas intra muros e recordemos alguns litteratos que se secularisaram, José Gomes Monteiro, Augusto Luso, Alexandre Braga, e muitos outros que se dariam já por affrontados se rememorassemos a sua velha familiaridade com as musas. O mesmo aconteceu com o snr. Alexandre Herculano que, segundo parece, trocou definitivamente as lettras pela agricultura. Este mesmo pensamento já o snr. visconde de Castilho o deixou apontado na Conversação preambular que abre o D. Jayme: «Dos nossos poetas, diz elle, que tantos e tão viçosos pullularam sempre ao bafo benignissimo d'estes ares, quantos apontamos hoje em dia? Morreram uns; envelheceram outros, que é peior maneira de morrer; outros secularisaram-se para os negocios; outros desertaram para a politica; não poucos succumbiram á epidemia da inercia, e jazem, sobreviventes a si mesmos, sobre os seus proprios nomes, como estatuas sobre tumulos, armadas mas inertes.» Raros são pois os que, infatigaveis, se conservam ainda abroquelados para os mais galhardos torneios do pensamento, como que zombando da idade, que é enfermiça e cobarde o mais das vezes. O author das linhas que deixamos citadas, o snr. visconde de Castilho, todo se enleva ainda no doce poetar da sua lyra, vasando no suavissimo rhythmo da lingua portugueza as mais formosas obras primas da litteratura extrangeira. Não ha de certo em paiz nenhum mais abundante e prestimosa velhice
Ao cómoro do athleta, que cahiu fulminado pela morte, não deixarão d'ir, em piedosa romagem, com as flores da saudade, os que mais d'uma vez lhe viram lampejar as armas impollutas ao sol da gloria litteraria. É um dever e um desafogo esta visita ao tumulo d'uma realeza que se extinguiu para os homens do seu tempo, mas que deixou após si um rasto luminoso no qual ha de reviver atravez das idades futuras. E tanto maior dever é, e tanto maior desafogo se afigura, quanto é certo que a litteratura portugueza, que parecia preparada para longa vida depois da fecunda revolução do romantismo, está vendo rarear dia a dia as suas fileiras, já porque a morte lh'as dizima, e já porque a politica lhe vem roubar com mão sacrilega os mais denodados legionarios para lh'os amollentar na vida regalada dos encargos parlamentares e diplomaticos. Cada vez se vão multiplicando as perdas e as deserções, e todavia não se enxerga ainda no oriente o primeiro alvor d'uma aurora de redempção, que prometta trazer novos apostolos e novos soldados, novos elementos de vida, n'uma palavra, para o futuro das lettras patrias. Vejamos se é isto verdade ou se não passa d'uma asserção gratuita.{6} Percorramos, ainda que com o coração cheio de magua e os olhos marejados de lagrimas, os fastos da litteratura moderna. A cada passo, ao folhearmos tão triste necrologio, encontraremos uma pagina tarjada de lucto a recordar um talento que se apagou. Para logo se nos deparam os nomes illustres de Lopes de Mendonça, de Soares de Passos, de Coelho Lousada, de Faustino Xavier de Novaes, de José Freire de Serpa, de Arnaldo Gama, de Rebello da Silva, de Gomes Coelho, e de quantos outros que nos não lembram agora! As deserções são por igual numerosas, mas, visto que escrevemos no Porto, contemol-as apenas intra muros e recordemos alguns litteratos que se secularisaram, José Gomes Monteiro, Augusto Luso, Alexandre Braga, e muitos outros que se dariam já por affrontados se rememorassemos a sua velha familiaridade com as musas. O mesmo aconteceu com o snr. Alexandre Herculano que, segundo parece, trocou definitivamente as lettras pela agricultura. Este mesmo pensamento já o snr. visconde de Castilho o deixou apontado na Conversação preambular que abre o D. Jayme: «Dos nossos poetas, diz elle, que tantos e tão viçosos pullularam sempre ao bafo benignissimo d'estes ares, quantos apontamos hoje em dia? Morreram uns; envelheceram outros, que é peior maneira de morrer; outros secularisaram-se para os negocios; outros desertaram para a politica; não poucos succumbiram á epidemia da inercia, e jazem, sobreviventes a si mesmos, sobre os seus proprios nomes, como estatuas sobre tumulos, armadas mas inertes.» Raros são pois os que, infatigaveis, se conservam ainda abroquelados para os mais galhardos torneios do pensamento, como que zombando da idade, que é enfermiça e cobarde o mais das vezes. O author das linhas que deixamos citadas, o snr. visconde de Castilho, todo se enleva ainda no doce poetar da sua lyra, vasando no suavissimo rhythmo da lingua portugueza as mais formosas obras primas da litteratura extrangeira. Não ha de certo em paiz nenhum mais abundante e prestimosa velhice