N'uma conferencia feita ante a Sociedade de Geographia em 16 de fevereiro de 1878 chamámos a attenção dos nossos consocios e do publico para as fórmas dialectaes particulares que algumas linguas europêas e particularmente o francez, o hespanhol e o portuguez, tinham tomado nas colonias e conquistas da Africa, Asia e America. Esses dialectos têem até hoje attrahido muito pouco a attenção dos linguistas, não existindo ainda nenhum trabalho geral sobre elles. Era nosso desejo reunir os materiaes para um trabalho especial sobre os dialectos portuguezes, e um trabalho geral comparativo em que tentassemos determinar as leis de formação d'esses dialectos, formação que se póde por assim dizer estudar no vivo, porque um similhante estudo não poderia deixar de nos ministrar dados importantes sob os pontos de vista glottologico, ethnologico e psychologico. Pedimos n'essa conferencia esclarecimentos, como já o tinhamos feito por outros meios, e os nossos pedidos não foram de todo inuteis. Um mancebo intelligente da ilha de Santo Antão, o sr. Cesar Augusto de Sá Nogueira, que assistíra á conferencia, deu-nos todos os materiaes para o estudo que publicâmos do dialecto creolo d'aquella ilha. O nosso amigo rev. R. H. Moreton continuou nos seus dedicados esforços para nos obter publicações no dialecto portuguez de Ceylão, e a elle devemos em grande parte poder dar hoje uma bibliographia já assás consideravel d'essas publicações e, o que é mais, possuil-as, estando assim habilitados para publicar em breve um estudo bastante completo sobre a Grammatica e vocabulario do indo-portuguez. No meio de outros trabalhos mais consideraveis nunca perdemos de vista os dialectos creolos, que havia muito nos interessavam, e fomos assim reunindo uma serie de noticias, em parte simplesmente bibliographicas, cujo conjuncto nos parece offerecer já doutrina sufficiente para constituir materia de um artigo de ensaio. Por mais incompleto que fique o nosso trabalho estamos certos que vem preencher uma lacuna no quadro da glottologia. Fr. Pott no quadro systematico-bibliographico da glottologia que serve de prefacio ao tomo II, 4 das suas Etymologische Forschungen (1870) nem sequer menciona os dialetos creolos; nos livros geraes de Whitney, Max Müller e outros sobre a glottologia em vão se busca uma noticia d'esses tão interessantes productos; as opiniões expressas por alguns linguistas sobre o caracter d'esses dialectos, são, como veremos, indecisas ou erroneas, ou não apontam os lados por que esses dialectos são mais importantes para o observador. Comprehende-se este facto singular da historia da nossa sciencia quando se sabe que uma parte dos glottologos gastam o seu tempo á busca da solução de problemas ou insoluveis ou cuja chave não está ainda descoberta (etrusco, basco, acadiano, etc.), e outra anda absorvida pelos seus estudos especiaes, sem duvida interessantes e muitas vezes importantes, mas que fazem desviar a attenção de questões de muito maior momento, sendo poucos os que fazem progredir a sciencia de uma maneira sensivel. O nosso ensaio seria muito mais completo se tivessemos maior numero de informações dos dialectos das nossas colonias e conquistas, e se tivessemos visto diversas publicações sobre os dialectos similhantes das outras linguas europêas, que por diversas causas não podémos examinar. Entre essas causas predominam a raridade de algumas d'essas publicações e miseravel dotação das nossas bibliothecas, que não lhes permitte comprar senão poucos livros que interessem a um pequeno numero de estudiosos. I. DIALECTOS PORTUGUEZES 1. Creolo da ilha de Santo Antão (archipelago de Cabo Verde) Este dialecto é fallado principalmente pela população de côr e pelas creanças que o aprendem com as creadas e amas negras. Distinguem-se duas fórmas: o creolo rachado, creolo fundo, creolo vejo, fallado principalmente no interior da ilha e de que as noticias e documentos que publicâmos dão conhecimento, e o creolo em que a grammatica portugueza é menos ignorada, distinguindo-se quasi unicamente pela pronuncia de algumas palavras ou sons e pelo accento geral. As cartas seguintes foram escriptas por pessoas instruidas que fallam bem o portuguez, mas conhecem bem o creolo rachado. O unico documento verdadeiramente genuino do dialecto de Santo Antão acha-se na serie de adivinhações que o nosso amigo o sr. Sá Nogueira nos ministrou. Carta 1.ª
N'uma conferencia feita ante a Sociedade de Geographia em 16 de fevereiro de 1878 chamámos a attenção dos nossos consocios e do publico para as fórmas dialectaes particulares que algumas linguas europêas e particularmente o francez, o hespanhol e o portuguez, tinham tomado nas colonias e conquistas da Africa, Asia e America. Esses dialectos têem até hoje attrahido muito pouco a attenção dos linguistas, não existindo ainda nenhum trabalho geral sobre elles. Era nosso desejo reunir os materiaes para um trabalho especial sobre os dialectos portuguezes, e um trabalho geral comparativo em que tentassemos determinar as leis de formação d'esses dialectos, formação que se póde por assim dizer estudar no vivo, porque um similhante estudo não poderia deixar de nos ministrar dados importantes sob os pontos de vista glottologico, ethnologico e psychologico. Pedimos n'essa conferencia esclarecimentos, como já o tinhamos feito por outros meios, e os nossos pedidos não foram de todo inuteis. Um mancebo intelligente da ilha de Santo Antão, o sr. Cesar Augusto de Sá Nogueira, que assistíra á conferencia, deu-nos todos os materiaes para o estudo que publicâmos do dialecto creolo d'aquella ilha. O nosso amigo rev. R. H. Moreton continuou nos seus dedicados esforços para nos obter publicações no dialecto portuguez de Ceylão, e a elle devemos em grande parte poder dar hoje uma bibliographia já assás consideravel d'essas publicações e, o que é mais, possuil-as, estando assim habilitados para publicar em breve um estudo bastante completo sobre a Grammatica e vocabulario do indo-portuguez. No meio de outros trabalhos mais consideraveis nunca perdemos de vista os dialectos creolos, que havia muito nos interessavam, e fomos assim reunindo uma serie de noticias, em parte simplesmente bibliographicas, cujo conjuncto nos parece offerecer já doutrina sufficiente para constituir materia de um artigo de ensaio. Por mais incompleto que fique o nosso trabalho estamos certos que vem preencher uma lacuna no quadro da glottologia. Fr. Pott no quadro systematico-bibliographico da glottologia que serve de prefacio ao tomo II, 4 das suas Etymologische Forschungen (1870) nem sequer menciona os dialetos creolos; nos livros geraes de Whitney, Max Müller e outros sobre a glottologia em vão se busca uma noticia d'esses tão interessantes productos; as opiniões expressas por alguns linguistas sobre o caracter d'esses dialectos, são, como veremos, indecisas ou erroneas, ou não apontam os lados por que esses dialectos são mais importantes para o observador. Comprehende-se este facto singular da historia da nossa sciencia quando se sabe que uma parte dos glottologos gastam o seu tempo á busca da solução de problemas ou insoluveis ou cuja chave não está ainda descoberta (etrusco, basco, acadiano, etc.), e outra anda absorvida pelos seus estudos especiaes, sem duvida interessantes e muitas vezes importantes, mas que fazem desviar a attenção de questões de muito maior momento, sendo poucos os que fazem progredir a sciencia de uma maneira sensivel. O nosso ensaio seria muito mais completo se tivessemos maior numero de informações dos dialectos das nossas colonias e conquistas, e se tivessemos visto diversas publicações sobre os dialectos similhantes das outras linguas europêas, que por diversas causas não podémos examinar. Entre essas causas predominam a raridade de algumas d'essas publicações e miseravel dotação das nossas bibliothecas, que não lhes permitte comprar senão poucos livros que interessem a um pequeno numero de estudiosos. I. DIALECTOS PORTUGUEZES 1. Creolo da ilha de Santo Antão (archipelago de Cabo Verde) Este dialecto é fallado principalmente pela população de côr e pelas creanças que o aprendem com as creadas e amas negras. Distinguem-se duas fórmas: o creolo rachado, creolo fundo, creolo vejo, fallado principalmente no interior da ilha e de que as noticias e documentos que publicâmos dão conhecimento, e o creolo em que a grammatica portugueza é menos ignorada, distinguindo-se quasi unicamente pela pronuncia de algumas palavras ou sons e pelo accento geral. As cartas seguintes foram escriptas por pessoas instruidas que fallam bem o portuguez, mas conhecem bem o creolo rachado. O unico documento verdadeiramente genuino do dialecto de Santo Antão acha-se na serie de adivinhações que o nosso amigo o sr. Sá Nogueira nos ministrou. Carta 1.ª